Aí eu estava voltando do recreio para o trabalho, dia desses, quando a gente viu uns pms com um carrinheiro encostado na parede. Fui lá falar com eles.
Resumo da história: o camarada havia sido parado para averiguação pelos policiais. Ele era suspeito (sic) de ter assaltado uma senhora na praça Euphrásio Correia. Pelo que contaram os populares em redor, o carrinheiro tinha insistido em tentar ficar livre por aí, carrinhando, o que muito irritou os pms. Que, para evitar maiores constrangimentos e riscos, teriam dado uns corretivos no abdôme do carrinheiro. Coisa leve.
Aí checaram o carrinho do cara. Claro que não tinha nada. Liberaram o elemento carrinheiro.
O camarada carrinheiro, Fernando, chorava feito moleque que perdeu o poodle. Disse que tinham pegado na cirurgia dele. Mostrou o corte na barriga. Estava na fila do transplante do fígado, disse.
Em volta, todo mundo falando que o cara apanhou.
Com o crachá no peito, fui falar com os companheiros pms. Falaram da suspeita, admitiram uso de força para parar o elemento, negaram violência. Não fazem isso, disseram.
Voltei ao camarada carrinheiro. Falou que ia com a família à polícia. Fui com ele, enquanto outro repórter lá do jornal, o André, ligava para a PM para ouvir explicações. Íamos publicar a história.
Fui à delegacia, já com os companheiros familiares carrinheiros todos ao lado, vindos da Vila Torres, antiga Vila Pinto, ex-Capanema, atual Jardim Botânico.
Aí avisei para eles que ia de paisano. Ver o que os camaradas policiais respondiam sem saber que havia um jornalista por ali.
No centro, a polícia civil e a militar funcionam no mesmo prédio, a central de polícia, a quatro quadras do jornal, acho. Chegando lá, quem atendeu foi um pm. Quando ouviu a história, respondeu que o primeiro distrito, a parte civil da polícia ali, estava fechado. Delegacia fechada? Claro que não. Mas não dei bandeira.
O cara mandou nosotros ao QG da PM, na Marechal Floriano com a Getúlio Vargas. O Marechal de Ferro com um ditador. Positivo.
Chegamos lá e o soldado da guarita foi gente muito fina. Disse que esses soldados novos são mesmo despreparados e se erraram tinham mais é que ser denunciados. Mas tinha um truque. Era quarta-feira de tarde. E quarta-feira de tarde é tipo o domingo dos pms, na parte administrativa. Não tinha ninguém lá para registrar a queixa.
Tínhamos de voltar no outro dia, cedo. Mas aí, se houvesse chance de fazer uma perícia para constatar os socões no carrinheiro, já era.
Voltamos à central de polícia. O mesmo pm. Insisti, insisti, mais que piá quando quer ir jogar bola e a mãe não deixa. Ele chamou um investigador.
O investigador ouviu a história e deu o veredito.
- Olha, disse ele, não é que eu não queira registrar. Se você quiser, eu faço. Mas estou te dizendo uma coisa: esses caras são xarope. A cidade vai ficar pequena para você.
Insisti em saber mais.
- Eu sei que eles exageraram, mas releve que é melhor. Vai para a casa, tome um remedinho. Passe no posto de saúde. Estou tentando preservar a tua integridade física.
Insisti mais sobre o assunto. Ele respondeu que eu estava botando pilha no piá e que ele seria morto pelos pms se denunciasse. Fomos embora.
Fui para a redação. Escrevemos a história que podíamos comprovar. Foi publicada. Uma prova de que nem tudo está feio demais, acho.
Outra prova disso: no outro dia, ligaram para mim do Ministério Público do Trabalho. Era uma procuradora querendo processar os pms. E de uma ong, para dar um carrinho novo para o cara.
Encontrei o Fernando outro dia na rua. Ele não quis processar os pms. Ganhou o carrinho novo. E foi a grande atração de um desfile de carrinheiros.
E a vida continua.
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